No Ritmo do Coração

o cinematógrafo
4 min readJan 21, 2022

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Emilia Jones interpreta Ruby, uma adolescente, filha de pais surdos e que se vê cercada de dilemas para o futuro

Uma das manias da indústria cinematográfica de Hollywood é realizar remakes. Geralmente, os remakes não agradam o grande público. É claro, existem exceções, em que o remake consegue ser tão bom, ou melhor, que a obra original, um dos exemplos é Scarface. Apesar do filme citado ter sua primeira e segunda versão realizadas nos Estados Unidos, é mais comum que Hollywood faça remakes de filmes estrangeiros. Nesses casos, não é raro que o resultado final seja muito aquém do esperado. Fazem uma simples tradução do texto, alguns exemplos são: a versão de Spike Lee de Oldboy e mais recentemente O Culpado, estrelado por Jake Gyllenhaal.

Entretanto, o mesmo não se pode dizer de No Ritmo do Coração. A adaptação da diretora e roteirista Siân Heder do drama francês A Família Bellier (2014) consegue superar o original com uma nova roupagem e direção mais cuidadosa. Heder mantém a trama original e toda a carga dramática inerente ao roteiro. Além disso, o trabalho de elenco é também bastante potente, as atuações de Emilia Jones, Marlee Martlin e Troy Kotsur conseguem transitar facilmente entre o peso do drama e a leveza da comédia.

CODA, título original do filme, é um acrônimo para Crianças de Adultos Surdos. Ruby Rossi (Emilia Jones) é uma coda, seus pais e seu irmão mais velho são surdos. A família, que trabalha na atividade pesqueira, conta com a filha para ser sua intérprete no mundo de ouvintes e falantes. Quando a garota entra no coral da escola e as chances de ingressar em uma faculdade de Música se tornam palpáveis, ela se vê dividida entre continuar ajudando sua família na pesca ou seguir seu sonho na música.

No Ritmo do Coração é um coming of age, o filme explora o amadurecimento de uma jovem e suas questões familiares. É natural que nessas histórias a jovem busque emancipação e liberdade. Para Ruby, é tudo ainda mais complicado, pois ainda existe uma questão de responsabilidade. Ela conecta a mensagem de seus pais aos interlocutores, ela impede que eles sejam explorados ou passados para trás. Seu irmão Leo (Daniel Durant) se revolta com essa atitude protetora de Ruby, ele reconhece que eles conseguem continuar sem ela.

Apesar de existir um drama na questão de dupla jornada de Ruby, que estuda e ajuda os pais no barco e nas vendas, No Ritmo do Coração ainda sim consegue ser leve. Existe um termo inglês para o que o filme é: feel good movie. Basicamente, é um filme que faz o espectador se sentir bem. Esse contraste tão claro entre humor e drama faz da obra uma experiência extremamente envolvente e agradável. É impossível não rir das interações dos pais Frank (Troy Kotsur) e Jackie (Marlee Martlin) ou então não se emocionar com as decisões que a família deve tomar. A carga emocional é bem dosada. Apesar da música ser um elemento fundamental da trama, em momento algum o filme descamba para o melodramático.

A montagem aproveita um pouco de uma tendência dos anos 2000, a sequência musical. Enquanto toca uma canção ao fundo, várias tramas se desenvolvem rapidamente. Ruby ensaia com seu professor e, ao mesmo tempo, a empreitada profissional de seus pais começa a dar resultados. O filme não nega o teor adolescente que possui, essas sequências representam um pouco disso e o romance que pode acontecer com o parceiro do dueto também. Além disso, o trabalho de montagem em que somos colocados na perspectiva dos pais de Ruby promove uma das melhores cenas do longa. Ainda em aspectos técnicos, a fotografia compõe belos planos ao integrar os personagens e o espaço natural, como o mar e as florestas.

Um dos maiores destaques de No Ritmo do Coração é o seu elenco. A atriz principal e o elenco de apoio entregam performances emocionantes e cativantes. O professor Villalobos, interpretado por Eugenio Derbez é um mentor desbocado, fala o que pensa, mas confia bastante no potencial de Ruby. O pai, Frank, é um personagem super engraçado, que pela sua irreverência, muitas vezes, constrange a filha. A mãe, Jackie, também é engraçada, todavia, o que dela mais se destaca é o cuidado e proteção com a filha e o medo de perdê-la.

A atuação de Emilia Jones, como Ruby, é potente. A atriz consegue ser convincente e fazer o espectador crer nas emoções e dilemas que ela enfrenta. Não bastasse a capacidade da atriz de evocar bem o drama, ela também canta. As performances são graciosas, a voz angelical é encantadora. Inclusive, uma cena em que ela canta uma canção de Joni Mitchell é a mais emocionante de todo No Ritmo do Coração. As interações entre ela e o pai também são ricas, a cumplicidade entre eles é bastante tangível.

No Ritmo do Coração é um filme para aquecer o coração, para rir e também, se você se permitir, para chorar. A direção de Siân Heder consegue usar bem elementos dramáticos e ter momentos leves. A história de amadurecimento também envolve responsabilidades e sonhos. No Ritmo do Coração é um dos filmes mais lindos que vi nos últimos tempos e está disponível no Prime Video.

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