Duna

o cinematógrafo
5 min readOct 25, 2021

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Timothée Chalamet interpreta Paul Atreides, herdeiro da Casa Atreides

Duna sempre terá um carinho especial por mim. O filme foi o primeiro que assisti nos cinemas após o início da pandemia de Covid-19, o último tinha sido 1917 de Sam Mendes em janeiro de 2020. Que belíssimo filme é Duna, principalmente em seu aspecto visual. A obra é arrebatadora e faz jus ao livro de Frank Herbert.

Paul Atreides (Timothée Chalamet) é herdeiro de uma das Casas Maiores do Império. Morador do planeta Caladan, ele e sua família precisam se mudar para o desértico planeta de Arrakis. O imperador determinou que a família Harkonnen, que explorava Arrakis, deixasse o planeta e desse vez aos Atreides. A grande riqueza de Arrakis é a especiaria mélange, uma substância viciante que permite aos seus consumidores visualizarem o futuro. O Duque Leto Atreides (Oscar Isaac) aceita o desafio e leva toda a sua equipe para o planeta.

O filme logo no início estabelece a importante relação entre Lady Jessica (Rebecca Ferguson) e seu filho Paul. Denis Villeneuve já insere os elementos das Bene Gesserit em suas primeiras cenas, como o uso da Voz para manipular outrem. Aos poucos, o diretor consegue ambientar o espectador à mitologia de Duna, que é muito única.

O design de produção e figurino são excelentes. Para as naves e, até mesmo na arquitetura, insere-se a estética de passado do futuro. Nada é muito brilhante ou reluzente, tudo parece ter um aspecto envelhecido pelo tempo. Os figurinos também são feitos com muito cuidado. As vestes das Bene Gesserit que vão até Caladan testar Paul evocam todo o misticismo dessa ordem de feiticeiras que ninguém ao certo conhece. O véu laranja de Jessica ao chegar em Duna contrasta com o aspecto desértico do planeta. As roupas para se usar em Arrakis já demonstram uma deterioração por conta do clima e da areia.

Duna possui muitos personagens, e com isso, o tempo de tela também é diferente. Gurney Halleck (Josh Brolin), Thufir Hawat (Stephen Henderson) e até mesmo o Dr. Yueh (Chang Chen) possuem um tempo de tela ínfimo, mesmo com a importância para a história. Duncan Idaho (Jason Momoa), mestre de armas da Casa Atreides, é um dos poucos membros da comitiva que aparece com constância. O outro núcleo, os Harkonnen, é explorado em poucas cenas, o que mantém um clima de mistério sobre o que são. O Barão Vladimir Harkonnen interpretado por Stellan Skarsgard está repulsivo, tanto em aparência quanto em personalidade. Tramando golpes contra a Casa Atreides, que “tirou” Duna dos Harkonnen, e banhando-se em um líquido viscoso e preto, o Barão consegue ser repulsivo em todas as cenas que aparece.

A interpretação de Chalamet como Paul Atreides consegue produzir a sensação de incerteza e dúvida que paira sobre o personagem. O jovem deve lidar com a extrema dor, com fugas e com o fardo pesado que são suas visões prescientes. Além disso tudo, ainda existe a possibilidade de Paul ser Lisan Al-Gaib, o Kwisatz Haderach, ou então, para fugir da terminologia do livro, o Predestinado, um libertador dos Fremen, o povo de Duna.

Rebecca Ferguson também tem destaque em sua atuação, ela lida com a perda, com a fuga e também com o peso de ter treinado seu filho na doutrina Bene Gesserit, ela divide o tormento que seu filho sofre com as visões. E quando, com medo, ela recorre a Litania, uma espécie de mantra para acalmar a alma.

As cenas de ação são acompanhadas pelo efeito visual do escudo corporal. As coreografias são boas e Villeneuve decide optar por uma ampla decupagem, que com uma montagem ágil, promove um dinamismo nas cenas de batalha. Vemos os golpes por diversos ângulos.

O trabalho sonoro é primoroso. Existe a constante reverberação em momentos-chave, como a frase inicial e o canto dos Sardaukar. Quando Paul, a Reverenda Madre e Jessica usam a Voz, a mixagem mescla tons graves e agudos, produzindo a sensação incômoda de poder que a Voz possui.

Um dos maiores desafios de Villeneuve foi trazer todo o vocabulário próprio de Duna para o entendimento do espectador. O livro é recheado de conceitos e nomes diferentes que apenas as cenas de exposição conseguem explicar, sobretudo quando são objetos como o trajestilador (aparelho de reaproveitamento de água do corpo no deserto) e a dagacris (uma lâmina feita a partir dos dentes dos vermes da areia).

As visões de Paul são filmadas com um ar etéreo, algo quase intangível. A fotografia de Greig Fraser opta por close-ups dos rostos de Chani (Zendaya), o uso da câmera lenta, a câmera na mão e a iluminação alaranjada do fim de tarde. Tudo isso produz uma fotogenia na imagem, é bonito de se ver o que está na tela, é fácil se encantar com a beleza de Duna.

Ainda sobre a fotografia de Greig Fraser, há um total contraste entre a fotografia mais escura no planeta chuvoso de Caladan e o ar desértico de Arrakis. No planeta Duna, Fraser aposta no alto contraste. Nas areias, as figuras humanas se destacam na imensidão bege. Nas cenas com explosões e com o pôr do sol, há um aproveitamento da luz laranja nos rostos dos personagens, os quais são filmados quase sempre em close-ups.

A trilha de Hans Zimmer é excepcional. O maestro consegue explorar o épico e o introspectivo que são opostos, mas que são igualmente presentes no filme. Com o épico, a música entra em cenas de batalhas, um coral feminino entra e os instrumentos fazem um contraponto com uma impostação grave. Em contrapartida, quando temos cenas introspectivas como os Fremen em adoração, o coral quase sussurra as palavras e uma percussão leve acompanha as vozes.

A adaptação de Denis Villeneuve é bastante eficiente. Mais importante do que transcrever as páginas do livro em imagens na tela, é captar a essência da obra original, e isso o diretor consegue. A intriga política está presente a todo momento, desde o início sabemos do desejo dos Harkonnen de recuperarem o domínio de Duna e da especiaria. A incerteza e dúvida de Paul é visível na interpretação de Chalamet e nas cenas das visões. O messianismo é apenas indicado como algo futuro, sobretudo nas visões e na reação dos Fremen, entretanto, na segunda parte, será bem mais desenvolvido.

Duna conclui com um final abrupto, quase um gancho para uma segunda parte, pode-se dizer que o filme implora por sua conclusão. A decisão de Villeneuve de adaptar até um pouco mais da metade do primeiro livro é acertada, ele demonstra seu respeito à obra original, ao preservar momentos importantes do livro, e impõe sua visão em Duna. Duna é sem dúvida uma experiência única, rico visualmente e fiel à essência do que Frank Herbert escreveu em 1965.

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