Close

o cinematógrafo
4 min readMar 12, 2023

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Léo (Eden Dambrine) e Rém (Gustav de Waele) amigos em conflito em “Close”

Poucos filmes encontram o equilíbrio entre sensibilidade e desolação como “Close”, dirigido pelo belga Lukas Dhont. O cineasta mais uma vez repousa seu olhar diante da juventude e dos dilemas impostos pela sociedade. Este é apenas o segundo longa de Dhont, no primeiro, “Girl” (2018) — disponível na Netflix —, a principal questão era a transexualidade de uma adolescente. Aqui, são as pressões que circundam melhores amigos.

Léo (Eden Dambrine) e Rémi (Gustav de Waele) são melhores amigos há muitos anos. A proximidade e intimidade entre os dois é evidenciada desde os minutos iniciais do longa. Um vive na casa do outro, “você vai para casa hoje?”, questiona a mãe de Léo mesmo já sabendo a resposta negativa. Os amigos dormem juntos e dividem suas vidas e aspirações. Um quer ser músico clássico, oboísta, o outro oferece seu apoio e sonha com as turnês mundiais. México, quem sabe.

O problema nunca está no interior. Sempre são as opiniões externas que desencadeiam os conflitos. Na nova escola, ambos são questionados por algumas garotas se são namorados, aparentemente sem malícia ou mesmo preconceito — reflexos de uma geração mais progressista. Eles negam, os toques, abraços e a própria proximidade não significam namoro, apenas amizade. Léo entende como essa visão surge de um histórico de preconceitos, principalmente quando se duas meninas têm o mesmo comportamento não são inquiridas da mesma maneira.

A pergunta e o evidente desconforto já são suficientes para transformar a visão de Léo e minar a pureza da amizade. Esse processo é ampliado quando os garotos passam a se referir a ele como “maricas”, “florzinha”, entre outros xingamentos homofóbicos, disfarçados de “apelidos e zoações”. O forte vínculo é posto à prova. Rémi não parece se importar com o que os outros dizem, enquanto Léo pretende mudar essa visão. Deitar em cima do outro no recreio é impensável e até mesmo serem vistos juntos começa a ficar um pouco raro.

A adolescência é, naturalmente, um período conturbado. O fim da inocência e a transição entre infância e vida adulta. Dessa maneira, as pressões e julgamentos alheios se tornam algo extremamente importante para os adolescentes e, ao mesmo tempo, perigoso. Em “Close” significa o rompimento de um laço quase sanguíneo dos amigos. A malícia que envolve o olhar de outrem inviabiliza os momentos de conexão que tinham. Os momentos que eles se deitam juntos com a iluminação amarelada contrastando com as paredes vermelhas são perdidos, podem ser lidos como homoafetividade — apesar da direção de Dhont nunca afirmar ou negar tal fato — , o que Léo decididamente não quer.

A fotografia na obra propõe um olhar bem próximo de seus personagens. Alguns até brincaram em relação ao nome do filme ter um caráter metalinguístico no que diz respeito aos muitos “closes” na dupla de amigos. Enfim, o recurso utilizado da câmera na mão é bastante expressivo para tirar o melhor das emoções dos atores, sobretudo de Dambrine e De Waele. Os sorrisos de outrora das brincadeiras pueris se torna ódio e frustração e a câmera nunca deixa de demonstrar essa amplitude de sentimentos.

O afastamento de Léo e sua reconfiguração a fim de se adequar ao que “se espera de um menino” (gostar de esportes, paquerar garotas e afins) é causador da maior rusga entre eles. O silêncio para Rémi não faz sentido e quando ele tenta questionar os motivos, ele se irrita, chora e parte para cima do amigo. Esse é um dos momentos mais tristes do longa. Embora não seja a primeira briga entre eles, é perceptível como depois dessa não há futuro entre a amizade, e o vínculo belo, filmado com delicadeza no início se desvanece completamente. Ambos choram, ambos sabem o que aquilo significou.

Posteriormente, o longa de Dhont adquire um peso maior depois das consequências desse embate. Os personagens passam a lidar com a culpa e também com a responsabilidade de seus atos. Léo, por exemplo, encontra refúgio no hóquei de gelo. É interessante como a montagem associa esses elementos. Quando o garoto se retrai em si mesmo e reflete sobre alguma coisa, o corte seguinte o mostra patinando no gelo. O esporte, nesses momentos, é um recurso escapista para contornar a transformação em sua vida.

Close” é uma obra comprometida com a construção expressiva de seus personagens. Lukas Dhont extrai dos atores e do próprio roteiro situações extremamente sensibilizantes e emocionalmente tensas. O trabalho de fotografia preza pela proximidade entre os dois, mas consegue, mesmo com planos mais fechados, reforçar a solidão enfrentada. As pressões e rótulos envolvidos na adolescência são determinantes para o conflito entre os dois, assim, o fim da pureza passa diretamente pelo olhar malicioso que faz reavaliar a própria amizade. Por fim, o cineasta, na mesma medida estabelece o filme com sensibilidade e desolação, alegoricamente a cena das flores sendo colhidas representa uma síntese disso.

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