Air: A História Por Trás do Logo

o cinematógrafo
4 min readApr 24, 2023

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Antes da Nike ser unanimidade nas quadras da NBA, ela era mera coadjuvante. Quem estava nos pés das maiores estrelas do basquete eram a Adidas e a Converse. Tudo mudou em 1984, quando o estudante da Universidade da Carolina do Norte foi draftado (escolhido para ser jogador) pelo Chicago Bulls. A marca estadunidense, por meio de um contrato inimaginável fechou com o que viria a ser o maior jogador de todos os tempos e revolucionou o marketing esportivo. Essa é a premissa de “Air: A História por Trás do Logo”, longa dirigido por Ben Affleck.

A divisão de basquete da Nike passa por vacas magras. Nos anos 80, Magic Johnson, Larry Bird, Julius Erving e outros craques da liga jamais usariam um Nike nas quadras. Sonny Vaccaro (Matt Damon), um dos funcionários da divisão, não é um especialista em marketing ou vendas, ele entende de basquete — e muito. Sua missão é buscar novos talentos para a marca patrocinar. Ele propõe ao seu chefe Phil Knight (Ben Affleck) um salto de fé, em vez de investir em três jogadores, ele quer colocar todas as fichas em um só jogador: Michael Jordan.

“Um tênis é só um tênis até alguém usá-lo”, diz um dos personagens no filme. Para torná-lo um símbolo precisa de algo a mais, seja excelência ou confiança. A todo momento, “Air: A História por Trás do Logo” deixa claro o quão arriscada foi a jogada: propor um contrato de 250 mil dólares para um novato. O fracasso significaria o fechamento de toda a divisão de basquete da empresa e relegaria para sempre a marca como uma representante exclusiva de tênis de corrida.

A obra, portanto, se estrutura como um drama-corporativo. Apesar disso, o filme nunca cai na pieguice e no desinteresse que, facilmente, poderiam envolver a crise do departamento de basquete da Nike e o desespero pela assinatura do contrato. Pelo contrário, o longa está sempre renovando o interesse do público, seja pela sucessão dos acontecimentos e o uso do humor, ou até pela montagem ágil, mesmo com o público já conhecendo o final.

Esse é um grande desafio: como manter o espectador atento a algo que ele já sabe como termina? Para Affleck, não é um problema. Ele entende que o interesse pelos bastidores e pelo processo pode ser tão interessante — ou até mais — quanto o resultado final. Outro ponto que permite isso é a identificação e familiaridade, sobretudo para os estadunidenses.

Air: A História por Trás do Logo” é uma história dos Estados Unidos, feita para os Estados Unidos, e que não omite isso — o uso de “Born in the USA”, de Bruce Springsteen, sintetiza essa ideia de nacionalismo. O poder mágico de Hollywood, porém, e da globalização de Jordan e sua carreira imortal nos Bulls permitem a universalização dessa história. Vale ressaltar, no entanto, que este não é um filme que trata da carreira do ala-armador, mas sobre o nascimento de uma marca, sobre o tênis que ousou desrespeitar a NBA com sua combinação de branco, vermelho e preto, o Air Jordan.

Um paralelo narrativo usado por Affleck é a aposta. Sonny, nos minutos iniciais, demonstra entender bastante de basquete, a ponto de se sentir confortável e confiante em apostar nas pontuações individuais de jogadores e em outras estatísticas. É interessante como o contrato com Jordan também assume a forma de aposta, para ambas as partes. Para a Nike, como citado anteriormente, o fracasso seria o fim do departamento de basquete. Para Jordan, seria confiar em umas marca de menor expressão na NBA.

Não é só essa tensão em busca da assinatura do contrato que mantém o dinamismo do longa. O texto é afiado e com um humor muito rápido. Várias sequências são genuinamente engraçadas, como a representação caricatural da Adidas e da Converse, correspondendo à previsão de Sonny, ou as discussões no telefone com o agente de Jordan, David Falk (Chris Messina). A seleção musical é outro elemento que descontrai e captura o zeitgeist (espírito da época) dos anos 80. O texto, por meio da boa combinação da dramaticidade (um discurso épico improvisado, a tensão do contrato) com o humor (onipresente no longa), faz da obra divertida e envolvente.

O filme se estrutura, sobretudo, nas negociações. Nestes momentos, as atuações se destacam e a câmera escolhe closes nos atores para reforçar a importância das tratativas. Matt Damon transmite essa persistência e confiança nos instintos. Affleck, de forma caricata, demonstra a contradição do capitalista zen. Tucker, por sua vez, está sempre engraçado em cena. Quem mais se destaca, no entanto, é Viola Davis como Deloris Jordan. Sua postura decidida sintetiza a figura familiar de liderança e de conselheira diante do futuro. Ela reconhece o valor de Jordan e abre precedentes que de fato revolucionaram a NBA.

Air: A História por Trás do Logo” é um longa de facílima fruição. O ritmo bem conduzido do filme faz com que o espectador “não perceba o tempo passar”. Esse mérito passa também pela constante renovação do interesse nos bastidores da criação do Air Jordan. Mesmo com uma temática bem específica: o surgimento de uma marca/tênis, a obra não é restritiva. Claro, fãs de NBA ou da Nike podem perceber uma ou outra referência. Mas, como disse antes, é um filme que busca essa universalização e que possui plena capacidade de envolver o público.

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